domingo, junho 03, 2007

Portugal apoia a legalização do ópio afegão


DN 29.05.07


Portugal poderá vir a apoiar a legalização da cultura da papoila e a produção de ópio no Afeganistão no âmbito da luta que a NATO desenvolve contra os talibãs que ameaçam o regime do Presidente Ahmid Karzai. E que, aparentemente, estão a recorrer ao narcotráfico para financiarem a sua insurreição, criando, em simultâneo, uma teia de protecções e de cumplicidades com os agricultores afegãos que dependem dessa cultura para sobreviverem.Se a opção pela legalização da cultura da papoila vier a ser adoptada, o ópio afegão passaria a ser canalizado para a produção de analgésicos (pain killers), cuja composição assenta naquela substância (opiáceos), abastecendo um mercado mundial que é deficitário e que pratica um nível de preços que é demasiado penalizador para os países do Terceiro Mundo. Ao ponto de nos hospitais de Cabul ser quase impossível encontrar a morfina ou a codeína que permitiria aliviar a dor dos doentes que ali se encontram internados.Esta medida, que já foi proposta pelo Senlis Council, um think tank sediado em Paris, permitiria introduzir igualmente alguns mecanismos de controlo sobre a cultura da papoila no Afeganistão, limitando a produção de ópio e evitando que o combate ao narcotráfico continue a empurrar os agricultores afegãos para os braços dos talibãs.Como tem vindo a suceder nos últimos cinco anos, período ao longo do qual a produção de ópio no Afeganistão subiu 32 vezes. Exemplo disso são os números citados pelos sucessivos relatórios da ONU, que deixam bem clara a forma como os agricultores e os narcotraficantes afegãos aproveitaram o caos que se seguiu à intervenção dos EUA no país e que lhes permitiu contornar muito rapidamente as medidas repressivas decretadas pelo regime talibã. Das escassas 185 toneladas de ópio que produzia em 2001, o Afeganistão passou para as 6100 toneladas registadas em 2006. Sendo que a expectativa para este ano, quando a época das colheitas ainda vai a meio, revela que a produção afegã deverá voltar a bater todas as fasquias, denunciando o fracasso das políticas erradicação da cultura da papoila lançadas por Cabul.A posição de Lisboa, que é anterior à recente transferência de uma companhia de comandos portugueses para a província de Kandahar, uma das regiões mais perigosas do Afeganistão, é, tanto quanto o DN apurou, idêntica às medidas que Itália, Canadá, Alemanha e Reino Unido poderão vir também a defender publicamente, ainda que elas esbarrem na intransigência dos EUA.Resta saber o que dirá o Paquistão e, em particular, o próprio Afeganistão, onde começam a surgir também alguns sinais que vão ao encontro da proposta formulada pelo Senlis Council. Seja como for, o facto é que o ópio do Afeganistão, que, neste momento, representa cerca de 90% da produção mundial, tende a crescer ainda mais, ocupando já 165 mil hectares de terra arável no país. O que contrasta com os escassos 7600 hectares de papoila que existiam em 2001, meses antes de os EUA terem passado à acção, derrubando o regime talibã que servia de anfitrião a Ben Laden e à Al-Qaeda.Sem que as novas autoridades do Afeganistão e a comunidade internacional que as sustentam tenham conseguido oferecer grandes alternativas de rendimento aos agricultores afegãos, que há séculos se dedicam à cultura da papoila e à produção de ópio, ganhando hoje dez vezes com o abastecimento dos narcotraficantes do que ganhariam se produzissem milho ou frutas.Caso ainda persistissem dúvidas sobre a relação entre a produção de ópio afegã, o narcotráfico e a insurreição talibã, um estudo recente da Jamestown Foundation encarregar-se-ia de as desfazer. Nesse estudo, o think tank norte-americano demonstra que dois terços das baixas que a NATO sofreu até agora no Afeganistão ocorreram em províncias que são responsáveis pela produção de 62% do ópio afegão.O que ajuda a perceber também as razões por que Helmand e Kandahar - duas províncias que em conjunto representam 54% do ópio que se produz no Afeganistão - são dois dos lugares mais inóspitos e perigosos para as forças da NATO.

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